Casa do Morro

A Casa do Morro no túnel do tempo

O homem contemporâneo, ao admirar suas memórias históricas, encontra-se com sua história, sua trajetória, enfim, com sua alma. Isto causa um efeito intrigante para nós profissionais da área de recuperação e restauração de patrimônio histórico. Neste ato de admirar, o observador faz abrir um túnel do tempo a sua frente que exibe anéis coloridos e movimentados, criando imagens que ao se reproduzirem aos milhões trazem lembranças e causam muitos sentimentos... Como uma espécie de saudades satisfeitas em um belo reencontro. Estes sentimentos que antes orbitavam apenas a materialidade do patrimônio histórico tomam de assalto o observador e o conduzem a outra dimensão.

O que justamente nos intriga é a reação deste observador que muitas vezes não tem proximidade histórica ou pessoal com o acervo, mas ao vê-lo transporta-se a este túnel e, como herdeiro absoluto de todas as memórias, revive até mesmo o que não é da sua vida. Admira, admira e admira. Sente, sente e sente! Pode ser uma memória atávica, não sabemos. Preferimos deixar o mérito para especialistas de outras áreas, mas que notamos a felicidade e a compreensão, isto notamos.

O coração do observador bate mais forte e seus olhos brilham olhando o interior do túnel. É um grande momento. Poderíamos dizer, nesta alegria existe um tanto de felicidade alcançada, de cura e de acolhimento. Chegamos à conclusão de que este momento de encontro do homem contemporâneo com seu patrimônio histórico, suas memórias é um raro momento de se presenciar, pois a felicidade é contagiante.
Passado o impacto da observação do túnel, notamos que começam as reflexões e as comparações com sua própria história. Tudo é dejavu!

Para nós restauradores não existe um momento mais singelo na profissão do que, após árduo trabalho de restauração de prédios, documentos, monumentos, fotografias, figurinos, mobiliário e tantos outros acervos, presenciar a satisfação e a alegria das pessoas quando a elas devolvemos o bem cultural recuperado e este, em contrapartida, proporciona evolução, cultura e desenvolvimento pessoal em várias áreas.

Sabemos todos que existe uma tendência mundial crescente de recuperação do patrimônio histórico. A humanidade acorda para as benesses que o passado traz ao homem contemporâneo. O trabalho que está sendo realizado ainda não é, de modo algum, satisfatório, pois enquanto levamos meses recuperando um, dezenas desaparecem todos os dias por abandono no mundo inteiro, sem falar naqueles vitimados por guerras ou por catástrofes meteorológicas.

Temos ainda aqueles que são vitimas de procedimentos técnicos errôneos e de vandalismo, mas o que mais desaparece é aquele vítima da omissão de seus responsáveis. Não prego aqui que as pessoas vivam de passado, mas que o passado está nas pessoas e contribui com o presente e com o futuro, isto é inquestionável. É como bons livros: só abrir e deleitar-se!

Não existe nada mais moderno, eu diria arrojadamente moderno, muito além do nosso tempo, do que recuperar as memórias históricas e disponibilizá-las ao seu herdeiro absoluto: o homem de todas as eras!

Digo de todas por que ao recuperarmos corretamente um acervo histórico ou mesmo antigo, estamos respeitando e conhecendo o homem que fomos ontem, reinventando o que somos hoje e construindo o que seremos amanhã. Pergunto: o que seria de nós se todas as áreas do conhecimento não tivessem suas memórias?

A responsabilidade sobre a salvaguarda do patrimônio histórico está, em sua maioria, nas mãos de governantes. Não importa o partido político e nem em que parte do mundo, se um bem cultural histórico não for para turista ver talvez esteja condenado.

No Brasil as coisas são ainda piores para as memórias: não temos número suficiente de profissionais na área de recuperação; não temos verba (imaginem se vamos ter!!!); nos falta educação civil contra o vandalismo; não temos legislação própria que defenda o patrimônio histórico e nossos administradores públicos ainda não se deram conta de que o melhor voto é o voto de confiança que com maestria, a comunidade sabe dar quando é favorecida de verdade. É uma lástima!

Mas existem as exceções, Graças a Deus! Existem gestores brasileiros raros que se igualam aos de grandes centros mundiais de patrimônio histórico e da cultura de uma maneira geral, como Grécia, Itália, França, Egito e mais alguns. São formadores de uma nova tendência mundial que utiliza a cultura para o desenvolvimento das comunidades de uma forma geral e não de um pequeno grupo freqüentador de museus e bibliotecas.

A nova cultura mundial ainda é pouco difundida no Brasil a não ser nas favelas do Rio de Janeiro e mesmo assim muito ligada ainda às artes populares (o movimento hip-hop, por exemplo, como exercício de cidadania). Penso que as memórias históricas possuem milhões de responsabilidades neste processo novo que utiliza a cultura como ferramenta de conhecimento popular e de cidadania. O que antes era de poucos, hoje pode ser de todos.

Mas como disse, são raros os gestores. Pois bem, encontramos um em Cruzeiro do Sul. Desde o início do ano passado nossa empresa está realizando um trabalho profundo de pesquisa que já em seu término, anuncia a restauração da Casa do Morro (1873) em 2010 e sua transformação em um completo e popular centro cultural em 2011.

A prefeitura de Cruzeiro do Sul em esforço sobre-humano percorreu os gabinetes do Rio Grande a Brasília, economizou e por fim, iniciou este maravilhoso trabalho que a coloca em pé de igualdade com grandes centros culturais mundiais e com a nova tendência de uso da cultura como ferramenta de desenvolvimento e cidadania.

Esses modernos gestores sabem que é uma questão de direitos humanos a disponibilização da cultura, a recuperação da história e o desenvolvimento da comunidade e estão empenhados nisto. Não está sendo fácil, aliás, está sendo difícil. Somente excelentes administradores conseguem alocar e realocar verbas para um trabalho tão técnico e tão caro sem deixar faltar para outros setores. Parabéns prefeitura de Cruzeiro do Sul. Eu e minha equipe nos sentimos honrados em participar desta celebração à cultura e a história que coloca o cidadão cruzeirense dentre os mais afortunados do nosso planeta.



Agradecimentos

Desembargador José Luis dos Reis Azambuja
Geólogo Everaldo Rigelo Ferreira
Sr. José Manoel Ruschel (ex-prefeito de Cruzeiro do Sul)
Professor José Alfredo Schierholt
Solange Bitencourt - Solcards
Biblioteca Pública de Lajeado/RS
Casa de Cultura de Santo Amaro/RS
Biblioteca Pública de Concórdia/SC



Alice Prati
TS Mello Restaurações

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